Saturday, May 26, 2018

 


EUTANÁSIA E FORÇAS ARMADAS

 Em 1999, no auge da crise que antecedeu a libertação de Timor-Leste os portugueses uniram-se num sentimento  de indignação pela brutalidade do ocupante indonésio. Na agonia daquelas semanas em que se temia um massacre do povo timorense, vozes houve que apelaram publicamente a uma intervenção das Forças Armadas Portuguesas no território de Timor-Leste destinada a expulsar os indonésios. A ideia era tão estúpida como surpreendentes as vozes que a defenderam, as mesmas que  já tinham considerado as Forças Armadas supérfluas e destinadas a desaparecer.

Preparamo-nos agora para autorizar o Estado a matar cidadãos. Desde que  queira e em condições rigorosamente reguladas o cidadão terá a liberdade de requerer ao Estado a sua morte porque, considerando em liberdade e perfeito juízo a circunstância em que se encontra, entende  que a morte é o seu bem. Para quem a defende a eutanásia é uma questão de liberdade individual, é o indivíduo a escolher o seu caminho.
A ideia também fará o seu caminho, a morte a pedido tornar-se-á trivial e burocratizada, como já hoje acontece na Holanda ou na Bélgica. Um dia, num tempo de crise que podemos racionalmente temer, escolheremos um iluminado para nos governar. Depois, sempre visando o bem comum, o Iluminado explicará que vai ser preciso eliminar alguns dos inimigos internos. Será imprescindível e não haverá alternativa porque os inimigos estarão a colocar em causa o bem colectivo e para realizar esse bem colectivo será necessário prender e matar. Nessa altura o Estado já terá licença para  matar, aprovada em 2018, sempre para bem dos indivíduos e a pedido destes. Porque não poderá então dar um passo em frente e passar a matar visando o bem colectivo, democraticamente representado pelo Iluminado?

Na agonia desses dias futuros muitos clamarão pela inviolabilidade da vida inscrita na Constituição de 1976 (que entretanto terá sido já revista nesse particular). Poderá sempre aparecer um iluminado que entenda que a nossa vida não vale nada, mas convém não lhe facilitar a vida. De repente, a "Indonésia" de 1999 e do outro lado do mundo pode estar ao pé da porta em 2020 ou 2030. Convém não lhe facilitar a vida. Num caso e noutro é a morte que espreita já não travestida de direito, mas mostrando a verdadeira face do horror.