A espada que fez um halo no céu
(publicado originalmente em Novembro de 2007)Foi D. Duarte quem primeiro fez lobby pela canonização de D. Nuno Álvares Pereira, em 1437, já lá vão 570 anos.
Desde a sua morte, no seu convento do Carmo em 1 de Novembro de 1431, foram atribuídos ao Condestável centenas de milagres, a terra do seu túmulo era retirada para operar “obras milagrosas”. Até ao terramoto, que em 1 de Novembro de 1755 destruiu o convento, o povo fazia romarias que tinham cantigas e tradições próprias de cada um dos lugares de origem, tendo até algumas dessas cantigas chegado aos nossos dias. Existem até vários “Catálogos dos Milagres” de Frei Nuno de Santa Maria.
No início de 1918, em plena Grande Guerra, com os soldados Portugueses a morrer aos milhares em França, o Papa Bento XV beatificou Nun’Álvares, o mais brilhante e invencível chefe militar de Portugal, tinham então passado 487 anos sobre a sua morte.
Próximo de 6 de Novembro de 2007, dia em que a Igreja comemora o Beato Nuno de Santa Maria, os bispos Portugueses encontraram-se com o Papa Bento XVI, que lhes disse como vai mal a Igreja do povo que se fez ao mar com a cruz de Cristo nas velas e que levou a Igreja onde ela nunca tinha chegado. Soube-se nessa altura que o Condestável vai ser canonizado.
Entre 1431 e os nossos dias muitos mártires Portugueses morreram pela sua fé, muitas palavras santas foram ditas em Português, milhões de almas foram convertidas, com orações ciciadas por vozes Beirãs ou com gerúndios evangélicos do Alentejo profundo. Três pastores da Serra d’ Aire falaram com a própria Mãe de Jesus. Mas o Papa Alemão vai canonizar o Condestável.
D. Nuno Álvares Pereira não combateu Mouros, combateu a muito católica Castela. Não parece então que a razão da escolha tenha que ver quer com uma guerra religiosa, ou sequer com a guerra em si.
Se escolhermos ao acaso na rua, poucas pessoas conhecerão D. Nuno Álvares Pereira, qual a sua marca na história de Portugal, ou a aventura e o poderoso exemplo da sua vida. Para a quase totalidade dos Portugueses a história é algo de pouco interessante e remoto, voando num ápice de D. Afonso Henriques para o presente, através de umas vagas caravelas, com passagem pelo paradoxal Salazar.
Bento XVI vai canonizar um quase desconhecido, em vez dos populares Pastorinhos e isso tem razões sobre as quais é interessante especular.
Desde logo, Bento XVI inspira-se em Bento XV, existindo assim um nexo de continuidade com a acção do antecessor, mas isso não chegará para justificar a canonização.
Bento XVI anda sempre muito preocupado em mostrar que é diferente de João Paulo II, mas isso só explica que os videntes de Fátima poderão ter alguma desvantagem, ou ter de esperar mais uns séculos para ser canonizados.
A Igreja é mais antiga do que todas as nações da Europa e nunca esquece a história. Nós podemos andar para aqui entretidos entre Bruxelas e o Hipermercado de Alfragide, mas para a Igreja ainda há caravelas por sair do Tejo que poderão ainda levar cruzes nos seus panos latinos e mesmo navegar contra alguns ventos que parecem soprar do futuro.
A Igreja, e o Papa em particular, conhecem o valor da nossa Língua e a importância estratégica que ela ainda tem, enquanto ponte da Europa com a América Latina e com África. Do ponto de vista da Igreja, esse valor estratégico perde-se quase por completo se Portugal se descristianizar e também se for descaracterizado na amálgama Europeia. Portugal nasceu da cristandade e afirmou-se no mar, e essa afirmação no mar e no mundo começou precisamente na tarde de 14 de Agosto de 1385 em Aljubarrota.
D. Nuno Álvares Pereira era um verdadeiro crente, com uma fé católica exuberante mesmo para os padrões da época. Na sua bandeira estava a Virgem Maria duas vezes representada, uma delas junto à cruz. Quando se tornou frade carmelita em 1423, quis chamar-se Nuno de Santa Maria.
Não era só em Deus que o Condestável acreditava totalmente, mas também nele próprio. Em miúdo, nos serões da Flor da Rosa, ouviu os contos da Demanda do Santo Graal e sonhou ser invencível como Galaaz. E foi. Quando professou quis ser o mais humilde dos humildes, demonstrando alguma falta de humildade. Foi então preciso vir D. Duarte pedir-lhe, em nome de D. João I, para que não pedisse mais esmola nas ruas de Lisboa…
Foi essa fé absolutamente extraordinária que venceu a poderosa Castela, a partir praticamente do nada. Foi também essa fé que permitiu a D. João I ser rei e depois ao Infante mandar as caravelas e a cruz de Cristo para o mar. O Papa sabe disto tudo apesar de nós não sabermos.
Eu acredito que a canonização do Condestável é uma proposta espiritual: reconheçam o poder da fé, tenham fé em Deus e em vós próprios porque a fé de um só homem tem capacidade para mudar o mundo, não tenham medo de ter grandes desígnios.
Não acredito que a causa do Beato Nuno seja mais defendida porque o Cardeal José Saraiva Martins é o Perfeito da Congregação da Causa dos Santos, acredito que o Papa tem mesmo um projecto para Portugal. Independentemente de esse projecto se realizar, sinto-me contente porque adivinho na atitude de Bento XVI o reconhecimento verdadeiro das virtudes de Portugal, através das claras virtudes de um dos nossos maiores.
Não sei se Bento XVI leu a “Mensagem” ou se foi Fernando Pessoa que a leu:
Nun’ Álvares Pereira
Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando,
faz que o ar alto perca
seu azul negro e brando.
Mas que espada é que,erguida,
faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida,
que o Rei Artur te deu.
'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
ergue a luz da tua espada
para a estrada se ver!
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Nun' Álvares será canonizado em 26 de Abril de 2009.
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Optimists have a bright future diz Peter Lorange num artigo onde define as características de liderança necessárias para enfrentar o tempo difícil que vivemos: optimismo, rapidez na decisão e na acção, capacidade para fomentar a coesão e integridade moral. Atributos, todos eles, presentes de forma intensa em Nuno Álvares Pereira.